segunda-feira, 31 de março de 2014

Poema de 31 de março

Linda de cabelos de fogo
Sardas juvenis
De sério semblante
Olha agora pra mim
Só um pouquinho
Olha pra mim

Adentra o meu corpo
Com fausto causticante
Gelo no olho
Soprano canto sentimento

Não quero maior formento
Do que te olhar nos olhos
E beijar sua boca
Ruiva sincera dos lábios de mel

Aguçado raio de sol
Levado feixe de luz
De raios vermelhos fumegantes
Que desenham no céu um traçado ciumento

Tenho medo
Dessas águas de março
Flores de julho
Que tomam o rosto de Juno
E trazem um calor crescente
Ao meu pequeno coração
Coração de estudante

domingo, 30 de março de 2014

Um pequeno assobio

Esse é um pequeno assobio maduro
No gelo trincado e reduzido
Na terra úmida e no asfalto liso
O céu segue um tanto turvo
No sopro de um violino

A geada tece no canteiro
Uma pequena gota de gelo
Cujo triste dueto
O beija-flor tece desafio

Nesse destino
Curvo e retilineo
Nas funduras de uma estrela
As árvores retorcidas gargalham
E no entanto o bosque está vazio



O tempo deve estar surdo

Pelos Cáucasos sinceros
Pelas veredas secas
Nos bosques sombrios
Da eternidade vazia

Nos dias de luta
Nos dias de frio
Ontem, hoje, sempre
Estarei aqui
Estarei ali

Longe, perto
Sozinho
Contando histórias
Rindo das piadas

Sofrendo das amarguras
Das vidas sofridas
Dos dias de chuva
Temendo ditaduras

Tenho medo dessa vida
Mas tenho medo maior
De não tê-la como queria
Hoje falo com vontade
Amanhã falo sem dizer
Mas pelo menos falo

Azar de quem é silenciado
Noite e dia
Pela ditadura das palavras
Pelo erro das ideologias
Em tornar em religião
As ideias de um novo dia


Tenho sorte de poder falar
Tenho sorte de poder escutar
Azarado de quem não tem direito
De falar aqui que pensa
E apenas tem direito de ser silenciado

Sou poeta fracassado
Sou escritor mal-amado
Historiador sem dito mandato
Intelectual musicado

Tenho sorte em poder pensar
Sentir e dizer:
Nunca mais quero ser calado
Nunca mais quero ser silenciado
Nunca mais irei ser torturado
Não pela força, mas pelas ideias

Pois esse poema não é meu
Nem é tampouco seu
Mas é daquele que já morreu
E não pode dizer o que disse
Pois a ditadura não deixou

Abril de 64
Data infame
Dia impudico
Castração de nossos sonhos
Roubo de nossa alma

Nunca digam que esse golpe
Foi uma Revolução
Pois não se saiu do lugar

Edson Luiz
Carlos Marighella
Zuzu Angel
Juscelino Kubistchek
Carlos Lamarca
Vladimir Herzog
Tito de Alencar Lima
Carlos Lacerda
João Goulart
Abelardo Rausch Alcântara
Ana Rosa Kucinski Silva
Yoshitane Fujimori
Honestino Guimarães

Alguns conhecidos
Outros praticamente desconhecidos
Mas todos mortos ou desaparecidos

Muitos nem era parecidos
Outros só queriam ter vencido
Vivido ou sonhado
Muitos eram jovens,
outros eram velhos.
Algumas eram crianças

Filhos, pais, avós e netos
Mulheres, homens
Todos desaparecidos
Famílias destruídas

E tudo começou com uma Marcha pela Liberdade?
Que ironia!

Aos que desapareceram para sempre
Lutaram tanto e morreram
Na longa tristeza que foi
O dia que durou vinte e cinco anos
Pois digo vinte e cinco, mas na verdade
é cinquenta. Pois aqueles que morreram
não voltam mais

Cinquenta anos em cinco?
Bobagem, a ditadura fez isso em um dia
Só que para o mal.


sábado, 29 de março de 2014

Meu doce amor platônico

          Eu amava uma menina que não era feia, também não era muito bonita, mas era tão meiga que era impossível não querer ficar com ela todos os momentos. Ela era simpática, sim, muito simpática, ela era só uma menina? Uma menina mesmo muito pacata.

        Eu amava essa menina.

        Essa menina não falava, dizia com os olhos, olhos tristes e melancólicos, eu ando procurando-a nesses corredores, sabe como é, quando a gente se apaixona a gente tem medo de falar o que sente, mas hoje eu sei que eu a amava. Não, não estou louco, só sei que a amo de alguma forma.

       Ela era meio triste, meio solitária. Ouvia baixinho o seu somzinho enquanto eu passava apressado para a aula, às vezes lia um livro, mas ela sempre estava lá. E como eu achava bonita, e meiga. Nossa, como queria casar-me com ela, sim, casar. Nunca fui a favor de casamento, mas eu me casaria com ela, talvez porque eu amo hoje, eu não sei.

       Eu a amava em silêncio, amava calado. Tentando esquecer, mas acho que não esqueci. Ela era algo que nunca tinha visto, ela tinha algo que me atraía, seja os olhos chorosos, seja os modos de mocinha ou os lábios secos de menina. Não acho que ela tenha sido tão amada quanto eu queria que fosse.

       Ela era indecisa, parecia ser tão jovem. Me sinto meio triste por não ter falado muito com ela, por não ter ficado muito com ela e a feito sorrir. Eu queria vê-la feliz, mas é difícil trazer alegria quando se é triste. Acho que ela era um reflexo meu, um passado distante talvez, se bem que não tão distante assim. Mas ela era uma belezinha de menina.

       Eu não me lembro muito bem como a conheci, lembro-me que tínhamos uma aula juntos e ela era minha caloura, eu era vagabundo na época (acordar às oito não é comigo) e sempre vinha com uma roupa ajeitada. Não falava com ninguém e só queria dormir. Ela sentava perto de mim, e era bonita. Pensei que nunca falaria comigo, mas ela falou...

        Um dia abri a boca e falei que sabia cozinhar, mas que não sabia fazer bolo de cenoura e ela entrou na conversa. E algo na minha barriga subiu ao peito, nossa como ela era bonita, e de certo modo eu queria beijá-la naquele momento, mas o silêncio me corrompeu. Eu sorri para ela e continuei a falar sobre cozinha, não demorou muito para saber que ela gostava de artesanato e  eu gostava de marcenaria. Quis ficar amigo daquela menina;

        Aquela menina era bonita e foi simpática numa época difícil da minha vida, quando tinha perdido as esperanças num amor traumático cujas lembranças nunca gostarei de retomar (mas sempre lembro quando estou bêbado). 

        No outro dia eu apareci de sobretudo com cara de sono e olhei o relógio, ainda eram oito e alguma coisa e eu odiava acordar cedo (ainda odeio), foi quando ela apareceu de batom e achei meio incomum porque ela não andava de maquiagem alguma, realmente ela não precisava...

       Foi então que com a voz mais angelical do mundo ela disse:

      "Eu tenho uma coisa para você" - Entregou-me um pedaço de papel, uma papel de folha de agenda, de folhas pautadas com temas florais em tom amarelo. Pensei que fosse um bilhete ou algo parecido, mas não era.

      " Você disse que não sabia fazer um bolo de cenoura, pois bem, eu anotei a receita para você"

     E fiquei sem reação, fiquei pálido na hora e o sangue baixou, acho que ela percebeu que minha mão tremera na hora e depois da surpresa eu sorri e disse:



    "Você escreveu isso para mim? Nossa! Quanta consideração!"

    "Sim"

    "Nossa, eu te devo muito... Posso fazer algo por você para retribuir?"

    "Não, não tem nada o que fazer"



     Um amigo nosso em tom de pilhéria disse:

     "Faça um bolo para ela, pra todo mundo afinal"



     E sorriram os três, ela era linda. E meiga, eu disse que ela era meiga?

     Eu disse que devia um bom café, mas no fim eu sempre fui um azarado e ela nunca mais apareceu na aula, e com o fim do semestre era impossível encontrá-la de novo.


     Um mês depois comecei a me envolver com outra caloura minha no que eu resumo um affair de meio de ano, e para minha surpresa ela estava lá, na cafeteria tomando um café (o café que eu devia pagar) sozinha em tom melancólico ouvindo o seu tocador de músicas; Aquela cena me doeu a alma, tive um sabor amargo junto à boca e tentei falar com ela, mas a minha namorada estava de mãos dadas comigo. Eu me culpei pelo destino maldito.

     
        Hoje eu imagino que devia ter esperado ou ter falado na época que gostava dela, mas não fiz nenhuma das duas coisas. E no fim, eu nunca mais a vi e nunca mais soube por onde anda, se ela arranjou alguém ou se desistiu de estudar. Eu a amo de certa forma e carrego comigo todos os dias a pequena receita de bolo que ela me deu naquele dia, e olho com carinho para aquele gesto simples, mas ainda assim marcante.


      Não  importa se ela está com alguém melhor do que eu ou sequer ela lembra de mim, eu digo que pra mim ela foi marcante e sou tão louco nessa história que a amo sem vê-la, ou senti-la novamente, eu amo porque ela era uma figura muito especial; Tive vários amores nessa vida, mas esse amor surdo e silencioso talvez seja o mais intenso dentre eles.


         A conclusão que eu encontro:

        Ainda existem pessoas boas nesse mundo...




PS: Ajudem-me a encontrá-la, eu preciso vê-la mais uma vez.





   

Poema imaginário

Seu professor e doutor
Mestre e orientador
Preste muita atenção
No número que se
Elevado ao quadrado
Acaba terminando
Um negativo safado

Imagine um número
Que multiplicado por ele mesmo
Dá menos um

Imagine com atenção
Que esse número
Bastante acuado
Tome caminho
Muito conturbado
E acabe sendo negativo

Muito cuidado,
Cuidado professor
Pois um número imaginário
Só é ótica de boticário
Quando o cateto da hipotenusa
É igual a soma dos quadrados
De um pequeno triângulo
Desenhado por Pitágoras

O velho grego barbudo
Que gostava de beber muito
Nos festivais das ágoras
Ficaria surpreso
Que o cálculo de um número
De concepção filosófica
Terminaria com ele elevado
A três vezes sua potência
Terminando oposto ao início

 Temo professor que não entenda
Na forma de verso
Que o quadrado da hipotenusa
E o número imaginário de uma função
Terminem tão desencontrados
Quanto um hippie numa estrada
Ou um executivo na selva

Mas com muito sorriso
De cunho preciso
Na linha do compasso
E no cálculo do papel amassado
Acordo contigo
Que um número imaginário
Chamado "i" não é mais
Um pobre desgraçado
Que não tem nome em si mesmo

Ao contrário de mim
Que sou zero à esquerda

sábado, 8 de março de 2014

A construção de uma identidade brasileira (considerações)

               A construção identitária brasileira se deveu não meramente por uma agremiação de várias etnias num caldeirão cultural e de miscigênia nos vastos biomas continentais dos trópicos, pelo contrário, a construção identitária brasileira se baseou na profunda aversão ao outro. Ao outro, estabeleço os vizinhos hispânicos.

               A maior mostra dessa consolidação de valores identitários está registrada nos conflitos estabelecidos entre os colonos portugueses e os espanhóis na região de Sacramento que levaram a uma situação de profunda hostilidade do governo brasileiro posteriormente ao seu par portenho.

              Mas o que define o Brasil é só o fato de ser um caldeirão multicultural, de vastas dimensões continentais que fala português, tem o Carnaval  e o futebol como bandeiras nacionais? Talvez, mas isso não explica tudo. O Brasil é Brasil, e não a Argentina. E como nos comparamos com a Argentina! Nosso vizinho sulista com quem tivemos grandes atritos, atritos esses que germinaram em torno das disputas territoriais e de fronteira na parte sul da Colônia

          Mas a questão mais importante disso tudo é:
  Por que a questão da fronteira Sul da Colônia assumiu tanta importância nas relações diplomáticas portuguesas?

            É importante salientar que até meados do início do século XVIII, a parte sul da Colônia permaneceu por muito tempo como região periférica da América Portuguesa, e a administração mesmo não possuía muito controle sobre essa região, tanto que várias vezes os colonos portugueses tiveram problemas com as tribos na “região sul” e na região um pouco mais ao norte do Rio de Janeiro.

            Contudo, com o Terremoto de 1755 e até antes, Portugal viu-se cada vez mais interessada em controlar de forma mais efetiva a parte mais ao sul da Colônia. Seja porque Portugal já tinha vislumbrado os lucros advindos da extração mineral nas Minas, que também tinha sido negligenciada, seja porque parecia interessante a ideia de ter uma parte próximo ao Rio da Prata, onde escoava de certa maneira boa parte da Prata de Potosí, a verdade é que Portugal viu-se cada vez mais interessada em angariar uma parcela nos Pampas.

            Em negociações e mesmo em conflitos, os portugueses agiram deliberadamente com os espanhóis para tomarem uma parcela da região de Sacramento, que vinha sendo mal ocupada pelos colonos espanhóis,  e a Coroa Espanhola sempre foi mais interessada na porção norte da Amazônia e mesmo em Potosí. O fato que o colonos portugueses efetivaram uma ocupação na margem oriental do Prata.

            É interessante frisar que a colônia de Sacramento conseguiu se alargar até chegar bem próximo do porto de Buenos Aires,  onde as lideranças locais se viam desconfortáveis com a presença portuguesa.

            As colônias mais ao Sul tiveram uma característica boa para o pastoreio e para produção de alimentos, e produtos mais de abastecimento. E os portugueses lucraram muito com o contrabando desses produtos para às terras de administração espanhola, e parte da prata que saía de Potosí acabou caindo em mãos de negociantes portugueses.

            Considerando que a prata era uma importante via de troca no Extremo Oriente, parece óbvio o interesse de alguns portugueses por essa região.

            Através de tratados e disputas os portugueses obtiveram cada vez mais posses sobre a região, mas também angariam obstáculos à sua colonização, tal como os jesuítas e as tribos mais ao oeste de Sacramento. Tendo em vista a expulsão destes das terras portuguesas, os portugueses decidiram saltar em armas contra esses agrupamentos, e perderam numerosas vezes.


            Esses assentamentos figuraram um problema para os portugueses por um longo tempo,em todo caso, eles conseguiram a posse de Sacramento, mas a questão da fronteira sul continuaria indefinida, até a separação da colônia da Cisplatina na administração de Dom Pedro I, com o aval da futura República da Argentina.


               Isso responde a tentativa de manter a integridade territorial brasileira que toma por exemplo as desagregações que a independência hispano-americana resultaram ao Império Espanhol e a situação profundamente "anárquica" com que o caudilhismo trouxe ao imaginário hispano-americano.

                Assim se explica um pouco a relutância de Dom João VI, monarca português que tinha se mudado para o Brasil em virtude da invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas, em voltar para Portugal.

O Brasil, querendo ou não, já fazia uma parte importante da engrenagem política do Império e por muito tempo significou a sobrevivência dos portugueses no jogo político internacional.Portugal se mostrara cada vez mais dependente do Brasil para tudo e de certa maneira, Dom João VI deve ter percebido isso. Com a tomada de Portugal pelo Grande Armée de Napoleão tornou-se mais cristalino que a sobrevivência da monarquia portuguesa dependia do Brasil.

A chegada da família real portuguesa pôs a administração portuguesa mais próxima à colônia, o que de certa forma auxiliou na gestão dos recursos da Coroa, além disso, deu maior controle a João IV sobre o seu Império.
 A vinda da Coroa para o Brasil além de ter mantido a unidade da Colônia e mesmo auxiliado na modernização do Brasil, figurava numa medida que beneficiava ao projeto de reavivar o Império Português e tornar o Brasil mais sólido no cenário português.

As más línguas dirão um dos motivos para que Dom João IV não quisesse sair do Brasil era porque ele não queria desgarrar dos numerosos frangos que havia aqui (a fama de comilão rechonchudo o persegue até hoje).
Mas um dos motivos principais ao meu ver (além dos franguinhos) para que Dom João IV tenha relutado em retorna para Portugal é o fato de Lisboa já ter deixado de figurar a grande importância no cenário político português que tivera anteriormente. Além disso, considerando as reformas e as estruturas feitas no Brasil nos anos de permanência do rei aqui, seria imprudente deixar o Brasil dessa forma, mesmo fazendo parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Além disso, Dom João no seu retorno veria pela frente um problema político para si, Portugal tinha vivenciado os ideais revolucionários dos soldados do Grande Armée e embora não estivesse prestes a uma revolução como a Francesa, o monarca ver-se-ia com o problema de ter que fazer concessões e negociar várias vezes para conseguir salvaguardar o trono, o que de certa forma não deve ter deixado ele muito feliz com a ideia de voltar para Portugal.
A historiografia positivista mais radical do século XIX se mostrou de certa forma equivocada ao mostrar que Dom João IV não queria sair do Brasil porque simplesmente ele gostava daqui, com suas praias e seus frutos que preenchiam os banquetes.
Mostra-se equivocada primeiramente, que mesmo considerando que Dom João adorava o Brasil, ele com certeza não apreciava o calor que suas vestes de veludo o faziam passar, nem mesmo as praias, pois provavelmente ele se recusava a tomar banhos diários. Os motivos principais para que Dom João não queira sair do Brasil, acredito que estejam expressos nos parágrafos anteriores.



            A reorientação do Estado legal português que trouxe mudanças na sociedade lusitana reverberou um espírito inovador da administração colonial com a chegada do monarca português

Primeiramente  o Pombalismo se traduziu pela tentativa de tornar mais dinâmica a sociedade e o governo português ao implantar medidas mais ou menos modernizantes quanto a administração do país. Para isso, Pombal, cercou-se de homens novos, sem muito prestígio e de certa maneira valorizou muito mais as capacidades de cada um do que o status de família de seus companheiros de gestão. Embora tenha controvérsias, isso já é um fator importante em sua nova política administrativa.

Com a desgraça do Terremoto de Lisboa de 1755 essa medida se tornaria importante por uma questão de prática. Na reconstrução da cidade de Lisboa, ele nomeou rapidamente pessoas aptas para o controle de desastres, e mandou liquidar de uma vez a cidade para a reconstrução, de modo a se fazer de outra forma em que a organização da cidade não permitisse maiores danos em terremotos posteriores. A reconstrução de Lisboa elevou bastante Pombal quanto ao seu poder político.

A fiscalidade da administração portuguesa tornou-se “mais lógica”, e dinâmica, e a administração das colônias mostrou-se de certa forma mais prioritária, afinal de contas, Pombal percebeu a fragilidade de Portugal no jogo político internacional, e a total dependência de Portugal com suas colônias, principalmente o Brasil. A política econômica de Portugal sob Pombal, ante as colônias, constituiu um reforço ou uma releitura do Pacto Colonial e mais e mais a administração portuguesa tentou controlar os ganhos do Brasil. Para Portugal, essa tentativa constituiu algo de supra importância nacional, principalmente na reconstrução de Lisboa.

Além disso, no jogo diplomático, Portugal, ao mesmo tempo continuava a ter uma grande dependência da Inglaterra, que anteriormente se tornou cristalina com o “Tratado dos Panos e Vinhos”, mas tentou de alguma maneira se aproximar com outros atores externos. Tal como a Espanha e a França. Para Portugal, que poderia deixar de ser aliada da Inglaterra para inimiga da noite para o dia, isso se mostrou importante para a manutenção do estado português, embora não tenha dado muita coisa.

Portugal também teve grande papel no jogo diplomático junto ao Vaticano para a dissolução da Ordem Jesuítica e de certa maneira isso beneficiou a Portugal que agora se viria livre da concorrência dessa ordem religiosa ante ao seu poder.


Essas atitude tomadas pelo Pombalismo perduraram mesmo depois de Portugal, e asseguraram entre outras coisas, a sobrevivência da monarquia portuguesa até o século XX e a reorientação do Estado Português quanto à sua política fiscal e econômica, além de tornar o seu quadro de funcionários cada vez mais dinâmico.

Essa retomada do Pombalismo elevou a importância do Brasil no jogo de português do Império Triangular português, do comércio atlântico com a África Ocidental, Brasil e Portugal, assim é prioritária a construção de um esforço identitário na colônia, principalmente frente aos movimentos de separação na América Latina e o exemplo dos "ingleses da América" (os americanos). Assim, constrói-se a ideia de que os colonos seriam os súditos de além-mar, os portugueses da América, mas isso não lhes traz qualquer representatividade na corte portuguesa cada vez mais conservadora.

Além disso a elite percebe que os seus laços com Portugal são tênues e que a sua separação do corpo do Império seria até benéfica, principalmente para os negócios com os ingleses. E inicia-se o projeto de Independência, contudo a fraca legitimidade de um governo central na Guanabara poria em cheque a estabilidade das fronteiras dimensionais com os outros países latino-americanos, por isso a escolha de um monarca Bragança, filho de Dom João VI, Pedro I do Brasil.

O Brasil se consolida como a única monarquia da América (excetuando o México por algum tempo) e isso cria uma força profunda identitária de "nós somos diferentes deles porque somos brasileiros", embora o caldeirão cultural brasileiro seja bastante influente bem como a capacidade de assimilação de agremiações estrangeiras também.

A construção do brasileiro como um indivíduo diferente do que há na América do Sul trouxe problemas de interpretação, rivalidades e certa arrogância no mundo, de uma potência grande e independente dos seus vizinhos limítrofes, sempre voltada para a Europa e os Estados Unidos. Afinal, os Estados Unidos são o grande exemplo, mas a diplomacia brasileira fica a parte desse imaginário popular afinal de contas ela se mostrou bastante capciosa com relação a vizinhos como Paraguai, Uruguai, Argentina, Bolívia e bastante amigável em relação ao Chile. 

 Ao contrário do espírito portenho de se igualar à França, em nível educacional, cultural e de arrogância, por muito tempo eu digo, o Brasil se via como um corpo à parte da América Latina, mas não necessariamente representa um desprezo pelos vizinhos, mas um orgulho de ser um pouco diferente dos outros.  E com o passar do tempo, o Brasil começou a almejar a liderança da América Latina, a liderança de um local cujas semelhanças culturais não são claras e tampouco consolidadas. É essa a herança da constituição cultural brasileira que se construiu a partir do século XIX e se findou na década de 1930.

Um ensaio sobre a antropologia


            A construção da Antropologia como ciência passou pelo seguinte problema do encontro com outros povos e outras culturas gerado a partir das navegações americanas, a tomada do antigo “império” asteca por Cortez passou, segundo Tzvetan Todorov, em “A conquista da América”, pela compreensão do outro, no caso dos astecas, para a sua própria dominação.
            O estranhamento trata-se de uma temática que ocorre no estudo de outras culturas, onde o pesquisador observa práticas do “outro” e recebe um choque que o faz tomar por ideia uma comparação de sua própria cultura com a cultura em questão, tal como Heródoto fazia ao comparar os citas com os gregos, na Antiguidade.
            Michel de Montaigne critica que o estranhamento do europeu em relação aos povos nativos tenha tomado feições funestas, e ele próprio valorizava a figura do nativo, o qual segundo ele tinha uma honra e um código, além de elementos bons em sua constituição, embora tenha se encontrado com apenas dois índios tupinambá e os seus ensaios foram levados a cabo a partir do relato de viajantes.[1]
            Entretanto a defesa dos nativos do antigo Tawantisyu feita por Bartolomé de las Casas mostra a necessidade de se observar com maior atenção à questão do outro, a isso se observa que para se entender o outro nasce uma nova ciência chamada Antropologia, como destaca  Roberto da Matta em seu “Relativizando: uma Introdução à Antropologia Social”[2].
            Observando o filme “Os Mestres Loucos” de Jean Rouch, a questão do choque cultural bem como do estranhamento torna-se evidente, na temática sobre os rituais de uma tribo no interior da África subsaariana. Influenciado pelo próprio cinema de Vertog, Rouch mostra uma comunidade que a despeito de viver na vida urbana, mantém um ritual incomum de possessão no meio da selva.
            O estranhamento é clarividente quando se observa o modo como alguns membros dessa tribo agem no ritual, “interpretando”, se é que podemos usar esse termo, figuras  da própria administração colonial que estariam mortas à época, o “General”, o “Governador”, a “Madame”. E esse ritual demonstra também o quanto nossa própria cultura pode ser estranha, ou até ridícula frente a outros olhos, como por exemplo, na cena onde um dos “Soldados”, marcha a passo de ganso no meio das gramíneas representando uma Parada Militar.
            Isso vai de encontro aos comentários que Tuiávii, chefe de uma tribo do Pacífico Sul, trata a figura do próprio Papalagui,  os homens que vivem em baús de pedra[3] envolvem-se num fardo sobre “ uma delgada pele branca, feita de fibras de certa planta, a chamada pele superior”[4] que vangloria mais “o metal redondo e o papel pesado” do que o Grande Espírito[5].
            É na análise do filme que se percebe que apesar de alguns acharem o ritual ridículo, o próprio ritual colonial de formalidades e paradas militares para demonstrar a força também poderia ser visto dessa forma.
            É deveras conveniente frisar o modo como o documentário foi executado, a pedido de um sacerdote dessa seita existente no Niger, que tenta mostrar o dilema dos jovens em continuar a preservar suas tradições frente à própria inserção do dito “desenvolvimento” ocidental em sua própria realidade, algo que ocorre com várias culturas no mundo, não necessariamente isoladas, como o caso da própria cultura judaica frente ao dilema da “globalização”.
            O choque cultural é gritante, principalmente na conjectura que alguns observadores ficaram terminantemente chocados, beirando aos trejeitos de repulsa na cena em que o cachorro foi sacrificado e serviu de alimento para os membros da tribo em questão.
            Chocado também ficou Montezuma ao descobrir que os cristãos comiam o seu próprio Deus e bebiam o seu sangue (hóstia e vinho sacro) e o mandaram limpar o templo de sacrifícios por acharem repulsivo o sacrifício humano.[6]
            Os mongóis também acharam estranho o modo  como os ocidentais expunham relíquias de pessoas mortas nas igrejas, bem como restos mortais, que para eles era quase um insulto a exposição de membros humanos de tal forma, não à toa que eles acharam o ritual pervertido e repugnante e incendiaram as igrejas de Pest (cidadezinha húngara a formar Budapeste posteriormente) para se purificarem da conspurcação.[7]
            O pensamento antropológico não é alheio ao próprio estranhamento, segundo Roberto da Matta, e também não pode passar a análises simplistas sobre o tema, como aponta François Laplatine em “A pré-história da Antropologia: a descoberta das diferenças pelos viajantes dos século XVI e a dupla resposta ideológica dada daquela época até os nossos dias”, não se pode cair em falso em conceituações fechadas como Bom ou Mau, deve-se ir para além disso, Para Além do Bem e do Mal, como Friedrich Nietzsche escreve no seu livro homônimo e deve-se problematizar a questão de tal forma que seja possível fazer uma análise acadêmica do tema.
            O único perigo que deve ser enfrentado é o etnocentrismo, erro crasso mais comum em alguns trabalhos sobre os estudos de outras sociedades, tais como Heródoto cometeu ao pontuar que os egípcios eram valorosos, mas não mais que os gregos que conheciam a democracia.
            O problema é que o etnocentrismo não é só um problema das sociedades ditas “ocidentais”, afinal de contas Tuiávii também dizia que sua tribo era mais valorosa por não viver segundo o mandato “do metal redondo e o papel pesado”.
            Olhando com maior atenção, o ritual de “possessão” dessa tribo do Níger, observa-se que há uma semelhança com o ritual das bacantes na dita Antiguidade Helênica, mas isso não quer dizer que eles estariam num grau de evolução menor do que o nosso, tais ideias de evolucionismo são perigosas quando aplicadas à ciências sociais.
            Dessa forma observa-se que apesar de Roberto da Matta falar que o dilema do cientista social “as condições de percepção de classificação e interpretação são complexos, mas os resultados em geral não têm consequência na mesma proporção da “ciência natural”[8], não se pode menosprezar o perigo que alguns lugares vertiginosos podem ser conseguidos a partir de uma observação descuidada das ciências sociais.
            Pondo fim à discussão a questão do estranhamento é necessária à análise antropológica, mas não pode evoluir a outras vias próximas ao etnocentrismo e ao evolucionismo, de tal forma que o próprio conhecimento antropológico pode ser até mais complicado do que o conhecimento produzido pelas ciências naturais.



[1] MONTAIGNE, Michel de. Dos Canibais. Capítulo XXXI do Livro 1 dos Ensaios. Trad. J. Brito Broca e Wilson Lousada. In: http://www.consciencia.org/dos_canibais_montaigne.shtml
[2] DA MATTA, Roberto. Relativizando: uma Introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.
[3] SCHEURMANN, Erich. O Papalagui: discursos do chefe Tuiavii, chefe da tribo de Tiavéa dos mares do sul. Trad. Luiza Neto Jorge. Lisboa: Edições Antígona, 1998. Pág. 23
[4] Idem, Pág. 16.
[5] Ibidem, pág. 31.
[6] Não que eu esteja sendo favorável à antropofagia.
[7] WEATHERFORD, Jack. Gengis Khan e a formação do Mundo Moderno.  Trad. Jorge Ritter— Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2011. Pág. 253
[8] MATTA, Roberto da. Op. cit. pág. 20.

O que será do mundo daqui em diante?

       Não sei.

       Estranha resposta, não é mesmo? Incômoda, eu diria. Mas a incerteza sempre foi uma lacuna incomoda na história da humanidade. Afinal de contas, o progresso científico se deu por uma inquietação, um incômodo. Incômodo?

      Alguns olham com lentes do passado ao futuro, outros olham para o futuro sem os olhos no presente. A verdade é que ninguém sabe o que será o futuro. Prova disso? Quem esperava à quatro anos atrás a "Primavera Árabe" degringolar em uma nova onda de ditaduras  e uma sangrenta guerra civil na Síria?

       Quem esperava que o Brasil seria esquecido de país-promessa a país-laboratório?

       Mais do que isso, quem esperava a situação na Ucrânia chegar a tamanho ponto que a Rússia e a OTAN pensarem em intervir militarmente (e a Rússia levar a vias de fato).

       As pessoas acham que estamos entrando numa nova guerra fria, mas erram porque não estamos mais num mundo bipolarizado, tampouco num mundo multipolarizado, afinal essa besteira que germinou nos anos 2000 com  o neoliberalismo se demonstrou falha na crise de 2008.

      Estamos no limbo.

      Por isso o que será do mundo daqui em diante? Não sei.

      Diga sem medo, você não sabe se a desgraça de hoje poderá ser a moeda do amanhã ou mesmo que a fortuna de hoje será a pobreza do outro dia. A gente não sabe de nada, na verdade, a gente tem respostas no passado recente, mas sempre seremos surpreendidos por variáveis enormes na equação complicada da vida. Não há cálculos matemáticos que digam quando a China parará de crescer, ou quando os Estados Unidos reagirão mais violentamente às crises internacionais, ou quando a Argentina deixará o seu fiasco inflacionário. Essas são equações muito mais importantes do que saber se a taxa de juros elevou ou se a bolsa despencou. Sabem por quê? Porque estão no domínio do imprevisível.

      Imprevisibilidade. Os homens são presos à realidade imediata, aparente e cotidiana. No preço do pão, do litro da gasolina, da escola ou do imposto de renda. São presos ao tempo, ao atraso do serviço, aos prazos e aos aniversários. Sim, os anos que se passam.

        O mundo não está ao seu serviço como ele quer, é uma luta constante todos os dias para ter um pouco mais de conforto na casualidade da vida, pois ser livre é ter liberdade não só de escolha mas de vivência na vida, nas solicitações que apresentamos às coisas quando queremos interagir com esse novo mundo. Admirável mundo novo. Que mundo é esse? Um mundo despregado de grande ideologias, religiões monoteístas, confortos psicológicos ou aneurismas metodológicos, é um mundo impessoal, escrito por anos cheios de muitas cicatrizes, pelas mãos do homem que hoje não lavra mais o pó da terra com as mãos, mas tecla o seu tablet com a ponta dos dedos.

      Os homens deixaram de usar chapéus, depois as gravatas, os ternos; mas não se esquecem que ainda vivem sobre os sentimentos e os mais intensos dentre eles são os relacionados ao medo, e os mais cegantes são realizados em torno da esperança. O último dos males que não saiu da arca de Pandora, a esperança.

      "Oh! Maravilha! Como muitas criaturas encantadoras que estão aqui!  Quão bela a humanidade é! Oh, admirável mundo novo. Que tem tais pessoas que não são" Tempestade, v.1 William Shakespeare.
       Não vivemos mais sob o jugo meramente do fordismo, de forma alguma, vivemos no domínio conjugado da produção em massa dos produtos em alta capacidade com a propaganda indiscriminadamente aguçada, com a transformação da realidade virtual em um  domínio cada vez mais  real e presente, com a subvalorização do presente em torno de um futuro incerto logo à frente. Estamos regidos não pela necessidade de produzir, muito menos que isso, estamos na ilusória imagem da necessidade de consumir e consumir cada vez mais, até só restar o nosso vício indiscriminado por mais tecnologia e maiores avanços.

       Os mercadores venezianos e florentinos tomavam medidas concentradas para impedir o florescimento do excesso de moeda em suas cidades, o que geraria inflação, lançando o seu capital excedente em capital morto: Arte. Assim germinou um dos períodos mais prodigiosos da mentalidade humana, o Renascimento.Renascimento que tivemos novamente a partir de 1750 e não paramos mais, mas ao invés de se investir só em arte, os grandes industriais perceberam um modo de transformar esse capital morto em um capital crescente e acumulante, tecnologia e tecnologia que gerasse demanda e crescesse exponencialmente. Vivemos num mundo assim. Um mundo cheio e ao mesmo tempo vazio, pois a plenitude de uma boa safra não só encontra em seus frutos o melhor dos adjetivos senão à quantidade, mais nunca a qualidade.

        Está uma era vazia em idéias, tanto minhas quanto suas, pois não temos certeza do que há por vir. Uma guerra nuclear? Uma paz negociada? Fim da crise econômica? Uma nova crise sanitária? O que é a humanidade senão uma profunda solicitação de presença num local onde não podemos provar nada além do licor amargo  do medo e desespero. O homem é espacial e temporal, até que percebe que não está no espaço e o temporiza, gera apenas ansiedade com perguntas que não podem ser respondidas.

      Exige-se mesmo respostas, memórias, verdades, mas não às encontra. Exige ser compreendido, mas ele próprio não se compreende às vezes, pois sua linguagem de como interargir com o mundo o torna histórico. E tão histórico se apresenta que ele se perde no próprio tempo e na traiçoeira memória, até por fim esquece o que diz, e seus nervos somam-se às rugas e ao sangue fino de suas veias, envelhecendo assim sem ter certeza. Ele não tem certeza de nada.

      O que será o mundo daqui em diante? Admirável mundo novo.


     

sexta-feira, 7 de março de 2014

Uma mágoa sem precedentes

          É uma mágoa sem precedentes, uma lacuna sem respostas, uma insatisfação insatisfatória, um profundo apodrecimento das emoções dísticas de uma mente em processo de esclerosamento, afinal de contas há coisa mais cancerosa do que perceber que tudo à sua volta declina ao profundo estágio de decomposição.

            É meio turvo esse sentimento, meio tomado pelas sombras e pelo hostil esmalte negro sobre a mobília silenciosa de um escritório hermeneuticamente fechado, a não ser por um filete de luz que surge sobre a tela. O burburinho do teclado sendo martelado com a ponta dos dedos esconde um silencioso método de não se falar nada. De ouvir os maiores absurdos no dia a dia, de observar as maiores corrupções morais de favorecimentos sonoros e reclamações que não são ouvidas.

            É triste pensar que há cinco anos atrás todos nós éramos otimistas, otimistas com o quê? Com o futuro. Mas o futuro é negro, o futuro é um semblante mórbido de um passado que já passou.  Acha que eu não o temo? Eu o temo em silêncio, calado e encolhido junto ao meu cobertor durante as noites frias e úmidas de março. Já é março, não é mesmo?

            Queria poder saber qual o futuro que nos espera, queria poder ler bolas de cristal. Mas o único cristal que realmente pode ser lido é o brilho opaco de um diamante lapidado. Coração das trevas, o diamante esconde um espírito deformado.

            Não há personagens tampouco heróis. Os vilões são muitos num pedestal de sofrimento e calor inebriante que se forma nos dias quentes de sol, mesmo sendo convicto no meu dicionário de ateísmo, nada me faz esquecer que o inferno forma-se nos dias quentes sem chuva, sobretudo numa paisagem seca, sem muitas nuvens ou árvores. Tem pessoas que ainda desejam isso, mas eu não.

            Acredito que apesar disso tudo não é uma consequência da geografia, mas da má companhia das trevas e do calor que acompanham essa planície. Ou será um planalto delgado. Quisera eu saber porque razão nesse antro carente de um pouco de chuva ainda há disposição para infligir profundos maus aos outros. Se aqui fosse um país subsaariano, seria uma luta difícil por sobrevivência, mas isso não é nem de pouco fácil do que esperar o sucesso calamitoso de uma expansão.

            Se haveria motivos para estar triste, eles se apresentam agora. Num local sem muitas diversões, as pessoas tomam partido do gosto acre do álcool barato e da sensação ainda mais barata de cigarrilhas com entorpecentes sob os arcos dos monumentos de concreto armado. Não há muita esperança num local sem muita expectativa, não há empregos para todos, e os que há estão reservados. O pessoal realmente qualificado deprimentemente está fora de ação.

            Os blocos escondem a devassidão de muitos anos perdidos, da poeira vermelha que às vezes rasteja sob as colinas de mata rasteira e dos filetes de água que por vezes secam no meio de agosto. A noite é ainda mais deprimente que o dia, pois numa localidade onde nada há para se fazer, nas ruas de comércio baixo a decadência escondida nas cinta-ligas e meias de rendas, traz a recordação que o amor é apenas mais um produto comercializável. Se é que um dia existiu.

            Vagando como um espírito em meio ao lixo, observando os cães de rua ladrando em bando, os mendigos nas marquises e as prostitutas nos automóveis você não espera muita coisa em troca de uma cidade como essas. Mas aí você se surpreende com os cafés e restaurantes vazios, com os garçons à porta catando clientes e um ou outro senhorio caminhando pelas calçadas rachadas.

            A copa das árvores que não protege do sol, faz sombra na lua. O céu não é tão estrelado por causa das luzes de neon dos edifícios, arranha-céus que ferem a paisagem e corrompem o céu. Novas torres de babel de trinta ou quarenta andares.



            Os viadutos e as tesourinhas estão vazios, vez em quando aparece um carro em alta velocidade, seja por causa da bebida ou por alguma corrida perigosa nas seis pistas da avenida principal. Os trens não passam mais depois das onze e aquela cidade que um dia podia se orgulhar de ser bucólica não passa de uma cidade de interior em profunda decadência.
            Perto do lago, os hotéis cinco estrelas realizam grandes amostras de vinho e   demais conferências que escondem o vício de uma elite abastada que se alimenta da exploração da especulação imobiliária, drogas e corrupção. Ninguém ousa falar e os jornais que ainda circulam não passam de um papel higiênico barato.


            Nas poucas lojas ainda abertas do centro de compras, as pessoas se amontoam em torno de monstruosidades tecnológicas que estarão obsoletas daqui seis meses e uma classe média arrogante e mal-educada grita e corrompe os corredores de marfim com sua presença cada vez ignóbil de uma classe demente e preguiçosa. Não conseguem sequer pagar as contas, mas ainda pagam tudo no cartão.


            Não se pode dizer que há um mérito nessa sociedade de castas suburbanas, onde quanto mais longe da periferia, mais proeminente se é. É um estamento surdo e bastante claro, não legitimado por crença, credo, cor ou qualquer coisa, mas poder aquisitivo e somente poder aquisitivo. Pensam alguns que o preconceito nasceu com o racismo, mas numa cidade onde todos são mestiços que racismo mais ignóbil há de nascer. Aquele que não possui um único tostão furado é insultado, essa é a verdade da natureza das coisas.

            Favorecimento, sim favorecimento. Quem pode viver bem numa cidade de favorecimento? Os favorecidos é claro. Aqueles que moram em verdadeiros castelos em condomínios fechados, apartados dos crimes das ruas e vivendo nas ilhas de felicidade plástica. É raro ser de alguma forma convencido de estar seguro hoje em dia.

            Culpa-se muitos os jovens, atribuindo-lhes a responsabilidade por crimes hediondos e violentos. Os ímpetos da mocidade são agravados pela irresponsabilidade de uma sociedade estamentada no orgulho e preconceito, de modo que os juízes e promotores, encolhidos no alto de seus tribunais não percebem a real situação que se figura nas ruas dos diferentes bairros da cidade.

            De fato nenhum dos estamentos do serviço público, corrupto e ineficiente, consegue entender a sociedade em que convive. A situação de profunda inércia de um governo arregimentado numa autocracia do papel leva a uma situação de profundo abandono associada a um contrato social de que a sociedade só pode ser regida por relações pessoais de corrupção e aparelhamento.

         Alguns demagogos reclamam contra a natureza dessa sociedade corrupta, clientelista e inevitavelmente, mas não tão somente classe-mediana, feita e felicitada por uma classe média nascente, decorrente e incoerente. Babaca pela excelência de ser babaca. Afinal é um ninho, um quintal, uma porta e uma porteira de uma grande fazenda de Carnaval.


            Reclamar não é nada, reclamar é ser engolido pelos fatos. É ser silenciado por vinte e quatro anos de ditadura explicita e dura. Violenta e muito mais do que assassina, torturante e amputadora de qualquer felicidade em ser cidadão. Cidadão para quê, apenas um título e um direito de voto é que o define. Apenas um número numa estatística, também não se espera muito, afinal, inerte como é, corrupto como sempre foi é mais do que esperado que seja reduzido apenas um número. Ele não tem ação, ele não esboça reação, é apenas um cidadão de papel.




            Cidadão de papel nascido num antro sem ética, num vestígio de anarquia e violência. Numa sociedade sem estado cujo Estado surgiu sem ela. Que a legisla sem consultar a população e que procrastina sem trabalhar.  Nesse caminho de veredas de terceiro-mundismo, no sentido pejorativo do termo, sem muita imagem de nação orgulhosa de si se desenvolve um estado sem nação.


            Democracia frágil com muitos atores, dilacerada em várias partes em que a igualdade inexiste seja pelos programas sociais incidentes apenas à uma parcela da população, seja pelas facilidades que outro segmento possui, é mais preferível tomar um regime como esse de oligarquia do que uma democracia propriamente dita.



            Nos pilotis que se encerram á tarde, nos arcos concretos de arquitetura moderna, nos monumentos de cimento e aço arregimentado, nas montanhas de pedra que desnudam o cerrado selvagem. Nada, nada mesmo, absolutamente nada é esperado num país onde há uma coerência de uma situação econômica que chegará à estagflação com um crescente acirramento das tensões entre as três castas econômicas existentes: 

         A classe média cada vez mais coberta de conservadorismo, tencionando maiores direitos que foram ceifados, com um poder de compra reduzido com uma inflação que sai do controle. 

        A classe alta que se beneficia com os lucros, mas é absolutamente convencida que as medidas do governo são prejudiciais à economia e vive numa ilha de conforto sem precedentes. 

          A classe baixa que vive num espírito irresponsável de gratidão aos programas sociais e que vem sendo favorecida por um governo dispendisiomente caro e corrupto, que não se apercebe na situação fragilizada que se consume. 

          Assim, as três classes irão digladiar-se entre si por uma campanha promovida por uma sociedade deformada com um governo governando de cima.

            Mais anos virão, e mais difíceis ficarão. Nada se encerra daqui para frente do que um novo ciclo de confusões e assombros. Estamos num limbo intelectual acompanhado por uma mediocridade organizacional, estamos no pior dos mundos. Não existem heróis ou salvadores, apenas o desejo de novos tempos futuros.




                                                              Admirável mundo novo...

Haber e o uso da ciência para o "bem" e para o "mal"

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