quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Uma estrada

       Sempre que ficar perdido, pegue a estrada. Jogue-se para longe e conheça um lugar distante, com sei lá, o Goiás. No Goiás que encontrei meu amor escondido sobre as árvores retorcidas do Cerrado, comi galinha caipira e senti o gosto do arroz com pequi.


      Estive em suas águas cristalinas, visitei seus bosques e deixei tudo para o alto quando estourei um cartão de crédito de brincadeira. Bebi cerveja quente, ouvi música ruim e amei intensamente todos os dias. Foi no Goiás que me perdi de novo


      Andei a 160 km numa BR, matutei, briguei, comi tilápia frita a despeito de odiar peixe e fui inconsequente... Até porque não valia a pena ser aristocrático com a pompa artificial de um bom brasiliense. E vivi até quando não pude, explorei o Itiquira, banhei-me em suas águas, e vi a cachoeira.


Encontrei o meu amor nesse caminho perdido e desejei estar perdido até onde pudesse. Mas não, não pude, pois a vida real sempre nos prende para longe da fantasia. E a fantasia é desejar partir de novo para onde não deveria ser encontrado. Te odeio Brasília, com seus pilotis de concreto, com suas pessoas toscas e mesquinhas, suas tesourinhas que cortam pessoas, seus eixos sem nexo e seus apartamentos minúsculos e sem graça.

Odeio você, tal como odeio os seus políticos, os seus funcionários públicos com os seus carros importados de prestações para serem pagas daqui vinte gerações, seus garotos de academia que fumam maconha no Pontão e prostituem meninas de cabeça vazia. Odeio você tal como odeio seus velhos necrófilos que roubam a juventude dos poucos que querem viver, dos seus concurseiros aos seus policiais ignorantes e de seus universitários que se enojam com mesquinharias.

Odeio pensar que toda essa gente que morreu construindo uma cidade no meio do nada teve a coragem de desistir e se acomodar numa cidade tão frívola e tão interiorana que não merecia ser chamada de capital. Odeio por completo seus jornalistas, prostitutos intelectuais, seus mestres e doutores de diplomas.


Odeio seu pastel queimado da Rodoviária feito com óleo diesel, os seus bares caros sem graça, seus pontos turísticos de concreto e a arquitetura mal-feita de Niemeyer. Odeio ademais pensar que nasci nesse inferno que faz o deserto de agosto quando não tem um pingo de água, quando temos um governador de merda que rouba cada vez mais a esperança de nossos sonhos e dos sensacionalistas que iludem os pobres coitados nas igrejas da periferia.

Odeio os que se fazem de coitados pedindo dinheiro na Rodoviária, odeio os pobres coitados que pedem garrafas de vinho nos restaurantes ou os ignorantes advogados que se acham senhores da razão quando são primeiros a corromper a constituição.


Pois que digam o que digam, odeio essa prisão chamada Planalto Central. E odeio nunca estar com forças para fugir disso, pois a chave da minha sela se perdeu no riacho do Itiquira.

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