sexta-feira, 16 de junho de 2017

A Máquina da Destruição: A diplomacia das armas (1870-1914)

        Não, a culpa não é da Alemanha. Está mais do que comprovado, a Primeira Guerra Mundial foi culpa de todos os países envolvidos, ali, naquele castelo de cartas, não havia inocentes a não ser os soldados mandados para a guerra. 

        Mas um dos elementos que germinaram a tensão de 1914 foi a unificação alemã e o revanchismo francês depois da perda da Alsácia-Lorena. A diplomacia europeia e a Pax Britannica caíram quando o sistema de Bismarck fracassou em manter o equilíbrio de um mundo cada vez mais industrializado e imperialista. A combinação explosiva de ferrovias, excesso de população, ganância por mercados e nacionalismo, tudo isso iria ser um pavio de pólvora que destruíra para sempre a Europa Vitoriana.

      “Após sua unificação, a Alemanha se tornou o país mais forte do continente, e foi crescendo em força a cada década, assim revolucionando a diplomacia europeia”[1], o problema que a ascensão da Alemanha como potência no cenário europeu desestabilizou o equilíbrio do poder no continente, exarcebando ainda mais as tensões, de maneira que a Alemanha tentou proteger a si mesma com a formação de coalizões, “le cauchemar des coalitions”, de maneira que no concerto europeu havia dois blocos constantes de tensão: Alemanha com a França, bem como o Império Austro-Húngaro com a Rússia.
            As movimentações diplomáticas alemãs se pautaram na tentativa de se impedir uma guerra de duas frentes, de maneira que a sua busca por parceiros no cenário político resultava numa tentativa de autoproteção, assim a Alemanha não tinha pretensões nos Bálcãs, mas desejava a preservação do Império Austro-Húngaro como meio de ainda manter um importante aliado, mas também não era desejoso à Alemanha ter a Rússia como inimiga.

            No concerto diplomático, a Alemanha encontrava o seguinte caso: A Grã-Bretanha isolada em si mesma preocupando-se apenas com os seus interesses na África e Ásia; a crescente hostilidade dos franceses por conta da Guerra Franco-Prussiana. Os embates entre austríacos e russos para esfacelar o Império Otomano. A aliança construída por Bismarck entre esses dois últimos e a Alemanha parecia ser a “chave para a paz na Europa”[2].
            Embora a Grã-Bretanha agisse pontualmente como mediadora dos conflitos no cenário europeu, isso não reduzia o bloco de tensão entre Rússia e Áustria, bem como Alemanha e França. “Contudo, muitos líderes britânicos, com exceção de Disraeli, não viam razão para se opor a um processo de consolidação nacional na Europa Central, que para os estadistas britânicos foi bem-vinda por décadas, especialmente quando sua culminação ocorria como resultado da guerra em que a França tinha sido tecnicamente o agressor”[3].
            A Grã-Bretanha tinha o status de protetora da ordem na Europa, mas cada vez mais a Alemanha tomava esse papel. “Bismarck foi portanto a figura dominante da diplomacia Europeia até ser demitido do gabinete em 1890”[4], sua política visando a paz e a afirmação da Alemanha como potência seguia os preceitos de não enfrentamento com nenhuma nação europeia, mas também instituiu uma política de isolar a França da Rússia e Áustria para evitar justamente o perigo de uma guerra em duas frentes. A aliança com a Rússia deveria ser feita sem hostilizar os britânicos, devidos os constantes atritos entre esses dois atores na Ásia e no Oriente Próximo.
            Retomando a Santa Aliança de Metternich, mas com um matiz próprio de sua Realpolitik, Bismarck acreditava que não havia grandes motivos para uma corrida colonial em direção à África e Ásia, porque isso poderia elevar os ânimos contra a Alemanha, causando tensões maiores com a França e a Inglaterra. A aliança com esses dois impérios autocráticos era um meio de manter a proteção do próprio regime político prussiano, bem como dar rigidez ao escudo da política externa alemã.
"Se as pessoas soubessem como são feitas a política e as salsichas, não iriam consumir nenhuma das duas"

            As crescentes tensões nos Bálcãs ameaçavam a ordem que a diplomacia prussiana tentava construir de maneira que conforme a falta de solução para as questões dessa região desembocaria nos trágicos eventos da Primeira Guerra Mundial, mas a princípio a política de conter os ânimos revanchistas da França isolando-a da Áustria e da Rússia resultou em resultados imediatos para a segurança da Alemanha, bem como o não enfrentamento com a potência dos mares, a Inglaterra. O papel moderador da Alemanha nas questões balcânicas agia nos limites do possível, mas com a demissão de Bismarck da Chancelaria e a ingerência do novo Kaiser nos assuntos externos abria-se o caminho para a solução mais belicosa para as questões no cenário europeu.

       A ingerência da Alemanha na solução nas tensões no concerto europeu apresentou vários desdobramentos que levariam a um cenário do equilíbrio do terror, ou “A política da Máquina da Destruição[1]. Com a demissão de Bismarck da Chancelaria, o novo kaiser traduziu a sua política externa por meios mais militaristas. Numa corrida colonial agressiva e num armamento crescente da Marinha e do Exército alemães.
            A política de contenção da França e do não enfrentamento à Inglaterra construída por Bismarck  foi ignorada por essa reviravolta na política externa alemã, de maneira que a tensão crescente na Europa fez a própria Inglaterra, que até o momento estava voltada para o seu “isolamentismo esplêndido”, voltar os olhos para a Alemanha.
            Com o arrefecimento das tensões entre Áustria e Rússia, num dado momento, discordando do rearranjo político com relação ao Oriente Próximo e ao “namoro” da Alemanha com o Império Otomano na construção da ferrovia Berlim-Bagdá, a Rússia abandona a Aliança e posteriormente se alia à França e à Inglaterra.
            “As nações da Europa transformaram o equilíbrio do poder em uma corrida por armamentos sem entender que  a tecnologia moderna e a conscrição em massa tinham gerado a guerra total, a maior ameaça à sua segurança, e à civilização europeia como um todo”.[2]
            Assim, embora a Alemanha na época de Bismarck tenha se tornado uma potência militar, ao contrário da Prússia de Frederico, o Grande, ela tinha tomado uma postura de moderação para não gerar maiores inquietações aos seus vizinhos, entretanto a moderação foi deixada de lado  quando os estadistas alemães ficaram “obcecados com o poder nu” das armas, coisa que “em contraste a outros estados-nação, a Alemanha não possuía nenhuma estrutura filosófica integradora”[3]. A Grã-Bretanha possuía o liberalismo como estrutura filosófica, a França tinha os apelos pela liberdade universal da Revolução Francesa, a Áustria um “benigno imperialismo universalista” e a Rússia tinha o amparo de libertadora dos povos eslavos e a ideia de descendente do Império Bizantino, assim para Kissinger a Alemanha a falta de norteadores intelectuais era a principal causa da política externa alemã sem um único foco.
            O aspecto militarista da sociedade alemã conscurpou “a sábia e comedida política” de Bismarck que havia prevenido o perigo de inseguridade da Alemanha se esta tomasse medidas agressivas. Construíram-se alianças permanentes com outras nações, coisa que foi bastante evitada pela Realpolitik de Bismarck, que acabaram atando a Alemanha a interesses diferentes dos que ela pretendia. A busca do Kaiser pelo reconhecimento da Alemanha por reconhecimento internacional encorajou uma Weltpolitik (política global), de maneira que a política externa alemã, com o “vácuo intelectual” adotou uma linguagem truculenta sem um princípio norteador.

            Kissinger acredita que se a Alemanha tivesse sido sábia e responsável, integrando o seu poderá ordem internacional existente teria tido uma tarefa árdua, mas seria melhor do temor que a Alemanha criou no plano internacional ao combinar uma mistura de personalidades explosivas com uma política externa sem consciência.
            Assim a mudança de racionalidade na política externa alemã e o abandono da Realpolitik de Bismarck acentuaram as turbulências existentes no interior de Europa e agravaram a situação da Alemanha frente aos seus vizinhos, de maneira que a política agressiva e sem princípio norteador dessa potência auxiliou a criação de um bloco antagônico ao Império Alemão que viria a ser mais cristalizado durante os fatídicos eventos que desembocariam na Primeira Guerra Mundial.

Die Deutschland krieg




[1] KISSINGER, Henry. Diplomacy. New York: Simon & Schuster Company, 1994. Pág. 137.
[2] Idem, ibidem, pág. 139.
[3] Idem. pág. 145
[4] Idem, ibidem.
[1] No original, “A Political Doomsday Machine”, provavelmente um conceito retirado com base o episódio de Jornada nas Estrelas homônimo.
[2] KISSINGER, Henri. Diplomacy. New York: Simon & Schuster Company, 1994.pág. 169.
[3] Idem, ibidem.

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